Friday, August 11, 2006

Playlist

A quem é que nos queremos enganar?
Sofremos, esperneia-mos perante o amor, no entanto na altura em que mais uma vez estamos perante uma nova faísca, os nossos passos vão seguir essa renovada emoção.
Podemos admitir que somos egoístas demais para ter um relacionamento, podemos querer ficar na zona de conforto emocional, podemos tentar, mas haveremos sempre por falhar.

Ontem há noite fui sair com o Rafa – o meu sobrinho –, nada demais apenas um copo para descontrair. Falar sobre nada ou sobre tudo o que eu quisesse. O Rafa é daquelas pessoas que não precisa de muito para falar ou interagir, e deixei-o falar. A dada altura estou a falar também e a gesticular como ele … e claro, a rir. È praticamente impossível não rirmos das suas histórias e dos seus desaires amorosos. Sobretudo por causa da forma descontraída e um pouco efeminada com que conta as coisas.

O Rafa – Rafael – e eu temos uma relação especial, ele é o filho mais novo da minha irmã mais velha, Margot. Tem 25 anos, e desde os 17 anos que sabe que é Gay. Sem revoltas. Sempre tivemos um carinho muito grande um pelo outro, porem, foi só quando ambos admitimos as nossas homossexualidades que a relação viria a ter novos contornos.
Actualmente já nos conhecemos. Já passaram muitos anos de desabafos e alegrias, sabemos pelo menos como reagir às paranóias ou como lidar com o outro em situações de stress.

Depois de umas boas risadas veio o silêncio e falamos sobre o que faltava falar. Não que houvesse muito que pudesse falar:

– O pior já passou. Custou um pouco, mas passou. No meio de toda a angustia, isso era a única coisa que eu sabia…Que todo o sofrimento, toda a tristeza, iria passar. Um dia. Digamos que está a passar. O que é óptimo. – Acabo por desabafar e o Rafa continua:
- Foi um grande tombo…
- Foi mais do que isso Rafa. Tombos levei eu no passado. Desta vez foi algo brutal choque, surpresa, tipo mosquito no para brisas de um carro. Estamos sempre a iludir-nos. Ou melhor, eu estou sempre a iludir-me! Tudo bem não é esta a pessoa. Mas deixei de ver certas coisas da forma como via antigamente.
- Receio pela próxima pessoa que se aproximar de ti.
- huh??
- A próxima pessoa que quiser aproximar-se de ti emocionalmente vai encontrar uma selva de cardos para desbastar!
- Eheheh, Pois! Achas? Nada disso. Sou eu própria que tenho que desbastar os cardos. Mas concordo contigo, a próxima pessoa vai ter um trabalho difícil.


Seja como for, até que uma próxima pessoa se vislumbre, ainda há o tal crescimento para fazer. Para acontecer. Até lá, ainda há muito para organizar, para limpar, reciclar.

Houve uma altura que reciclei pedras de calçada, outra a cor dos candeeiros de rua, os amigos, os lugares e os perfumes. Agora são músicas. Dezenas e dezenas de melodias que ainda me fazem fraquejar e perder a vontade de falar. Músicas que já vinham de outros tempos, que foram re-inventadas e agora pertencem a um novo passado. Dezenas de músicas que não eram só minhas, que tinham um olhar, um momento, um desejo.

Um determinado perfume pode lançar-nos num remoinho de imagens, de cheiros e recordações. Uma determinada música tem o mesmo efeito em mim. O feitiço tem que ser quebrado suavemente. Ouvir uma música aqui, outra ali e tentar superar as recordações, arruma-las calmamente numa gaveta qualquer. Elaborar uma nova playlist tipo *purge*, feita de músicas seguras, melodias que estão de acordo com o novo estado de espírito. Músicas que de alguma forma trazem tranquilidade à sede de respostas, que nos embalam na sua tristeza mais melancólica do que a nossa, que nos ajudam a libertar a revolta e a fechar a porta desta dor, deste amor.

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